VIDA EM CRISTO DE SÃO JOSÉ MARELLO (Primeira Parte(

VIDA EM CRISTO DE SÃO JOSÉ MARELLO  (I)
                                  
            Pe. Fiorenzo Cavallaro, OSJ

PREMISSA

            Não temos um verdadeiro “Tratado da Espiritualidade” pensado, redigido, escrito diretamente pelo nosso Fundador, mas conservamos grande parte das suas correspondências, apontamentos, ensinamentos e meditações que, analisados atentamente e visto numa ótica geral, nos permite extrair a sua espiritualidade.
Conscientes que O NÚCLEO DA ESPIRITUALIDADE MARELLIANA É CRISTO, pensamos que este estudo tem o título “VIDA EMC RISTO DE SÃO JOSÉ MARELLO”.
O nosso  trabalho fruto de aprofundamentos a partir de suas cartas e de seus escritos, não é orientado queremos logo dizer isto, numa linha cronológica e progressiva de acontecimentos. Por isto es escritos não são citados em ordem cronológicas, mas escolhidos e agrupados para evidenciar determinados aspectos típicos do “estilo” espiritual do Marello.
Concentramos os nossos esforços para criar um percurso temático, um mapa conceitual, que esclarece os aspectos fundamentais e peculiares da Cristologia Marelliana justamente a partir de seus escritos, sem olhar então a data deles.
É clara que a Espiritualidade Marelliana é bem mais rica e complexa daquilo que poderia parecer a “primeira vista”. Afinal o nosso Fundador possuía um patrimônio espiritual e cultural muito grande a qual muitas vezes atingia, acrescentando sempre novos e originais pormenores. É por isto que, com muita simplicidade entramos neste estudo apaixonado com a intenção de extrair para nós e para todos novas linhas de reflexão, tentando “fazer falar” o mesmo Marello através das cartas e dos escritos, e pondo em realce não só a elegância do estilo, mas também a riqueza e variedades da mensagem.

I.              INTRODUÇÃO

Paulo VI, na abertura da 2ª secção do Vaticano II em 29/09/1963, colocava e ao mesmo tempo respondia três perguntas:
“Onde começa o nosso caminho? Qual o caminho a percorrer? Qual a meta devemos nos propor?” e esta foi a sua resposta: “Cristo! Cristo,  nosso princípio. Cristo nossa vida e nosso guia! Cristo, nossa esperança e nossa meta!”
João Paulo II, em 04/03/1979 iniciava a Encíclica  “Redemptor Hominis” com estas palavras: “O Redentor do Homem, Jesus Cristo, é o centro do Cosmos e da história”.
São duas afirmações fundamentais para a Teologia, a Pastoral, e a Espiritualidade  da Igreja e de todo cristão. O mesmo Papa escreve nesta Encíclica que o homem encontra a sua luz somente no mistério do Verbo Encarnado; Cristo Redentor revela plenamente ao mesmo homem. É Jesus Cristo que revela o amor do Pai ao homem, o qual não pode viver sem amor e é chamado a viver a sua vida como amor, e sem o qual a vida não teria sentido. Afinal: o homem, não pode prescindir de Cristo.  Tudo faz referência Ele,  e a pessoa humana de forma especial. Jesus Cristo é a alegria de todo coração, a plenitude das aspirações humanas: Cristo é luz e força para todos. É o que estimula e dá dinamismo à interioridade e à profundidade do homem de cada homem.
São José Marello já estava em perfeita sintonia com o pensamento e o desejo da Igreja de hoje, e, por outro lado, com a espiritualidade de 1800, que põem ao centro de tudo a humanidade de Cristo. Neste período se põe em realce, de fato, a figura de Cristo nos momentos mais significativos de sua vida, como aparece no Evangelho: Cristo que nasce, cresce, obedece, ama, cura, sofre, morre, ressuscita. Tudo isto para expressar a piedade e o culto dos cristãos, mas, sobretudo, para chamá-los a reproduzir a vida do Salvador.
Plenamente consciente que Cristo é Caminho, Verdade e Vida, o Marello procurou tornar esta verdade significativa e eficaz para si e para todas as pessoas que foram aos seus cuidados pastorais como sacerdote e bispo.
Análise mais atenta de seus escritos nos oferece uma genuína espiritualidade Cristocentrica. Cristo é a figura central, o eixo da sua personalidade cristã, aquele que dá consistências e sentido a sua interioridade, aquele que forma o seu eu cristão no sentido Paulino.
Desde a sua juventude José Marello lutou contra o eu “carnal”, sito é a todos aqueles aspectos da sua personalidade ainda inclinados ao pecado, ao orgulho, ao amor próprio, e ao individualismo, para dar lugar ao eu “espiritual” para que pudesse também como Paulo aos Gálatas 2, 20: “Não sou mais eu vivo, mas é Cristo que vive em mim.” Escreve de fato, em algumas cartas do período Juvenil: “... deixando de pertencer a Deus começou a pertencer a um ídolo de carne e, depois a um  ídolo ainda mais ciumento e exigente – ambição. [...] Oh se pudesse fazer uma petição ao Pai do céu a fim de que extirpasse da terra aquela má besta  que é o amor próprio, a vida aqui seria bem melhor. Mas, vamos! Se Deus não nos permite matar de uma vez este monstrou, não nos nega porém, a força para nos livrarmos,  quando investe contra nós, de suas mordidas envenenadas”. (Carta 5).
“A experiência no-los diz continuamente que nas obras fazemos sempre menos do que prometemos com as palavras. Portanto, não me julgue mais do que realmente sou... As distrações do mundo, tendem todas a neutralizar estes celestes sentimentos de amor, para substituí-lo pelo espírito pessoal, enxertado nos instintos egoístas que herdamos da natureza” (Carta 8). Trata-se de combater a todo custo aquele espírito de transação que tenta infiltrar-se por tudo, que é o fatal dissolvente dos melhores projetos e dos maiores propósitos. Querer – sempre – a qualquer custo. Nós contra nós. O eu bom que combate o eu mal; o eu de um instante, mas de um instante sublime, que se levanta para combater o eu de todas as horas; o eu do passado, o eu do velho sistema; é o eu que quer de uma vez por todas, mas que se multiplica a todo momento naquele ato eficazmente volitivo; é o eu que como a Fênix se consome e renasce das próprias cinzas” (Carta 9). Juntamente a uma lúcida análise dos demônios a serem combatidos com todas as forças, indica também alguns meios, que ele mesmo usava  com empenho e constância, pois conhecia os benéficos efeitos: “Oração meditação, e violência – violência continua contra nós mesmos... e a cada hora que passa digamos com Santa Tereza: Coragem; uma hora a menos para lutar” (Carta 11).

        Um momento importante: Os anos de Turim.

Relendo a sua vida durante o período da permanência em Turim à luz destas considerações, podemos afirmar que o Marello em Turim fez a experiência da libertação, como Paulo no caminho de Damasco. O vemos meditar e elaborar projetos no espírito do humanitarismo laical, do apostolado humanitário, ele mesmo admite claramente que queria realizar-se no mundo em virtude própria, com as suas capacidades somente de forma  operosa e sagaz. Lemos de fato,  “As sedutoras feições e as aliciantes promessas desta divindade enganadora (ambição) tinha me levado ao ponto de não pensar  nem desejar mais nada, a não ser o apostolado humanitário- veja só que palavras ampolosas pode produzir a faculdade inventiva do ambicioso... O primeiro degrau teria sido o jornalismo; deste se passaria à tribuna popular; da tribuna ao proselitismo doutrinário e, deste último ao proselitismo prático  a última frase da propaganda e o princípio do novo sistema da economia social” (Carta 5).
Pode parecer que o Marello tinha abandonado sua vocação pelo condicionamento da situação política do eu tempo, pela insistência do pai de deixar o seminário, e pela sua mesma ambição. A situação contingente certamente teve um papel importante na sua escolha; mas, na realidade, não demos perder de vista que o jovem Marello tem um temperamento independente e uma personalidade forte, que escolhe livremente sem condicionamentos. “Fiz para você um resumo dos recursos que pode ter o sistema revolucionário, e apresentei-lhe a questão social com estudos feitos seriamente. Oh! Queira Deus que assim como fui operoso e sagaz em examinar e percorrer as vias da iniqüidade, assim possa ter agora vontade e coragem...” (Carta 5) .
Fixemos a nossa atenção nas expressões “operoso e sagaz”: são dois termos que devem ser levados em conta. Devemos precisar que o nosso Fundador conhecia muito bem nossa língua italiana, a dominava seja no falar como no escrever com uma habilidade incomum, e escolhia cuidadosamente os termos que deviam ser usados,  valorizando cada palavra. Na prática o jovem Marello, na sua astúcia e esperteza pensou que deixando o seminário se realizaria mais como  homem, mas, justamente porque era uma pessoa reta e honesta, não podia viver no compromisso ambíguo: muitas eram as contradições de uma carreira mundana; todavia tinha todas as cartas certas para realizar-se na  sociedade. Apesar disso fez a sua escolha, inicialmente sofrida, mas depois clara e definitiva: Cristo! Cristo torna-se o conteúdo da sua existência; os projetos grandiosos de apostolado humanitário deixam o espaço para o apostolado católico. Numa ótica de fé podemos dizer que o Espírito Santo o eleva a um outro ponto de vista e de vida. Inicia para ele uma nova forma de ser e de existir, e tudo isto emerge claramente das suas cartas, das quais citamos os trechos mais eloqüentes.
Os anos que se sucedem aos acontecimentos e Turim, quando volta ao seminário agora com uma meta clara – o sacerdócio – são todo um laboratório, um fervilhar de obras. São os anos da transformação, da passagem do eu carnal ao eu espiritual, do eu humano ao eu cristão. Aos anos de indecisão segue os anos das convicções e da restauração da consciência: “Ideal de 1861, quando sonho de um futuro na sociedade me fazia saltar o Rubicão. Ideal de 1862 e 1863 em meios a emoções dos meeting das lojas maçônicas, das amizades políticas, dos trabalhos preparatórios, etc. Ideal de 1864 – 1865 dos dois anos de recolhimento e hesitação. Ideal finalmente que se aproximava a realidade de 1866 em meio da efervescência e do sentimento religioso renascente e, depois, na redescoberta das convicções e na restauração da consciência como tribunal competente...” (Carta 9). São os anos da vontade da coragem dos contra-projetos, das contra-estratégias, dos novos pontos de vista, do mudar – truncar – renovar – purificar. “Para depois ressurgir de repente para novas e mais sólidas convicções a uma fé mais bela e vigorosa” (Carta 5).
De tudo quanto foi dito, podemos afirmar que a sua “luta” não inicia na volta ao seminário, mas antes, e durante os anos de Turim que inicia a morrer ao eu mau, o eu do passado, o eu do velho sistema, para poder crescer e desenvolver o eu bom,  com a consciência com o homem velho não acabará nunca e a luta ao amor próprio e às paixões,  permanecerá sempre em aberto. “A cada instante sentimos recrudescer em nós o nosso mal de origem...” (Carta 8). A sua vida torna-se, então,  um contínuo e lento morrer as paixões, um desapegar-se de si mesmo para revestir-se de Cristo, entrar no  mundo de Cristo, adequar-se aos seus critérios e à sua vida. Essas premissas que encontramos nas Cartas Juvenis não são apenas simples desabafos de entusiasmo, que não encontra correspondência na realidade; são a base de um programa perseguido com humildade e com muita firmeza ao longo da vida do Marello.

2. O QUE DIZEM OS ENSINAMENTOS

Dizia em 1881, pregando os Exercícios Espirituais às Irmãs do Instituto Milliavacca; “Estudemos a vida de Jesus; toda ela é semeada de sofrimentos e de cruzes; leiamos a imitação de Cristo, justamente com o desejo de aprender na vida de Jesus” (Escritos).
Estudar para aprender de Cristo. Aqui também prestamos atenção aos termos utilizados: “estudemos”. O estudo implica necessariamente aplicação com método àquilo que se aprofunda; para que o nosso estudo seja produtivo devemos por em prática aquilo que estudamos. Como o camponês semeia e recolhe os frutos de seu trabalho, assim o estudo da vida de Cristo, em todos os seus aspectos, deve trazer os seus frutos com a pratica, porque estudar é como semear. Ler tantos ensinamentos da vida de Cristo e não agir é como ver uma bela árvore viçosa, mas sem frutos. O mesmo São José Marello acrescenta: “Jesus nos pede de segui-lo, de levar atrás dele a nossa cruz” (Escritos – Diário da Irmã Albertina Fasolis). Seguindo com a vida na obediência e no sofrimento, dirá ainda depois.E ainda: “Muitos são os exemplos que Jesus nos deu em sua vida,  mas o maior é com certeza aquele da sua cruz” (idem). Na homilia do domingo 02 de janeiro de 1887, ele aprofunda o pensamento Paulino. Infelizmente Irmã Albertina Fasolis resumiu tudo numa frase só, que é, depois a mais indicativa a respeito do Cristocentrismo da vida a centralidade de Cristo na vida cristã; leiamos: “Os mundanos desejam para si muitos anos de vida: o nosso augúrio seja aquele de viver em Jesus Cristo; sim, vivamos Nele e com Ele” (Idem). Não existem votos de felicidade mais bonito para o cristão que aqueles de estar e viver em Cristo, de viver Cristo para ter em Deus o próprio Tu.
Em 9 de dezembro de 1888 podia coerentemente exclamar perante a mesma irmã: “Oh meu bom Jesus ilumina a minha mente  para que eu te conheça; acende o meu coração, para que te ame e todo o meu ser seja consagrado a ti” (Idem). A Irmã compreendia perfeitamente esta linguagem. Viver Cristo é consagração total a Ele. É ele mesmo que reza ao Senhor para iluminá-lo, porque o conhecimento é indispensável para amar, para doar-se totalmente.
O Marello queria estar e estimulava os outros a estar com Jesus, a ser de Jesus, como Jesus. Conhecê-Lo, segui-Lo, amá-Lo para ser como Ele. Queria pertencer a Jesus, formar com Ele uma unidade só, realizar o relacionamento profundo, vital.
Esta aspiração não se baseia sobre um simples conhecimento doutrinal do Evangelho ou histórico,  aquele conhecimento que temos sobre os personagens históricos, fruto de leitura e de escuta, mas sobretudo conhecimento experiencial, fruto do estar juntos, do freqüentar, dos contatos. 
O conhecimento, quando é verdadeiro, torna-se amor, amor por Jesus, que pode levar o homem ou a mulher a não se casar por causa de Cristo. O conhecimento torna-se no Marello apostolado, vontade de levar aos outros Jesus, à comunhão com Ele. Um conhecimento que “acende o fogo”.
Ser como Jesus, este ser como Jesus, quer dizer empenhar-se no conhecimento constante. Isto significa não cessar de olhar para Jesus, de conhecer Jesus, não achando acabada a sua imitação.
À sua filha espiritual Bice Graglia, em 14 de dezembro de 1888, dizia: “Seja nossa preocupação contínua a imitação de Jesus, nosso Mestre Divino, e peçamos que nos torne capaz de ler claramente naquele grande livro da sua vida e de folheá-lo com cuidado da primeira a última página, para aprender as santas lições que Ele nos deu de Belém ao Calvário e saborear as arcanas belezas e os divinos atrativos, para que possamos subir mais facilmente e seguramente ao grande monte da santidade” (Escritos – conselhos a Bice Graglia).
Dois são os elementos que chamam a atenção neste conselho: o primeiro diz respeito à imitação de Belém ao Calvário: o Marello propõem uma imitação integral da humanidade de Cristo, que é uma grande lição desde o começo. Em segundo lugar podemos perceber que destas expressões ele propunha uma imitação de Cristo não descontínua, inconstante, reservada a momentos ou períodos de fervor particular, mas algo que penetrasse na cotidianidade das ações mais normais. A imitação de Jesus não tem “tempos fortes”.
                                                 
2.1          Um necessário parêntese

São José Marello foi muitas vezes apresentado como “o Santo da cotidianidade, da ordinariedade, da ferialidade”: todas as definições justas, que bem se adaptam à sua pessoa, mas que merecem alguns esclarecimentos.
Já afirmamos que o seu projeto espiritual foi de assemelhar-se sempre a Cristo, na cotidianidade nas ações mais normais, e quase a totalidade da nossa vida nunca sai do dever cotidiano e ordinário do nosso estado. É nesse dever “ordinário e cotidiano” que, segundo o Marello, deve ser cultivada as grandes virtudes e, sobretudo, as pequenas que fazem altaneira a árvore de nossa vida, na contínua fiel escuta da vontade de Deus: “Façamos momento por momento a santa vontade de Deus, segamos fielmente as pegadas de Jesus, aceitemos todos os atos de virtudes que se apresentam para cumprir na nossa caminhada com aquela serenidade de que é capaz o nosso coração e não tenhamos ilusões sobre o futuro que não esta em nosso poder. Vale mais o mínimo ato de virtude praticado no estado presente, que mil desejos e generosos projetos de uma santidade futura”. “Procuremos de santificar as pequenas coisas: um pequeno ato de paciência ou de caridade acompanhado pela reta intenção, torna-se de grandíssimo mérito da vontade de Deus” (Escritos-conselhos a Bice Graglia).
Não é necessário que pratiquemos sempre as virtudes que chamem a atenção e fulgurantes: basta que cumpramos a vontade de Deus momento por momento em todas as circunstancias. Aliás, muitas vezes será bom deixar outros exercitar tais virtudes naquela determinadas ações: assim fazendo nos poderemos praticar a humildade e a caridade. Jesus Cristo deve ser o nosso Mestre na prática das virtudes e também o nosso fim ao qual devemos interessar tudo o que fazemos” (Escritos – diário de Albertina Fasolis).
As citações acima selecionadas entre as numerosas sobre este tema, resumem bem esta faceta do Marello. Aquele que pode aparecer superficialmente a “santidade das miudezas”, a “santidade nas miudezas”, revela-se o exercício de virtudes a alto nível, que requer um constante trabalho sobre si mesmo. O Marello se jogou neste caminho desde jovem, e desde jovem teve claramente na mente alguns elementos que constituem necessariamente este programa espiritual:

a)               o “coeficiente”: Cristo nos nossos corações é um coeficiente infinito... e nós pobres cifras do nada podemos multiplicá-los gradualmente até a altura da cifras infinitas” (Carta 11).
Não nos assuste o pensamento de nossa pequenez, aliás, esta deve ser motivo de maior confiança naquele que é suplemento para tudo e para todos” (Carta 8). Das impressões que ele teve na leitura da vida de Santa Margarida Maria Alacocque leia: “o sacrifício do homem – Deus sobre a cruz é um grande coeficiente dos nossos sofrimentos e a sabedoria da Igreja quis que todo o nosso ato de adoração ao Pai fosse apoiado às dores do Filho Divino” (Escritos).
A consciência da pequenez e da miséria humana evidencia-se já a partir dessas citações extraídas das Cartas escritos Juvenis, juntamente à convicção que Cristo que faz a diferença; o homem é nada em comparação a Cristo, mas graças a Ele, pode elevar-se ao infinito, isto é alcançar os altos cumes da perfeição, impossíveis a serem conseguidos confiando somente nas forças humanas. È Cristo o fulcro e a chave, é Cristo a energia com o seu espírito, o coeficiente. Desde jovem se considera um “pobre cristão que deseja melhorar, mas que caminha com passo débio e vacilante. Para que escondê-lo” (Carta 8). Mas em Cristo não se apavora pela sua pequenez. Importante para ele é que seja Cristo a elevar-se, a exprimir-se Nele, e dominá-lo em todas as  circunstâncias de sua vida e como profundo conhecedor de Pascal eis que ele retoma uma frase deste autor: “Pascal- nada há sobre esta terra que não mostre ou a miséria do homem, ou a misericórdia de Deus - ou a fraqueza do homem sem Deus,  ou a potência do homem com Deus   (Escritos). A fé torna o homem poderoso.

b)           O sistema das “forças combinadas” – Tudo está no valor do coeficiente e, para o homem, cada ocasionalidade aparentemente acidental, cada fato, pode ser um coeficiente belo e bom. Feliz de quem sabe penetrar no íntimo das coisas. A aritmética é uma superfície, é a linguagem misteriosa de uma ciência da qual só são  conhecidos os pontos materiais. Dois Fatores  que se multiplicam, que se refundem e que se transfiguram num grande Produto: eis um fenômeno moral que pode ser a  base para um vasto sistema - o sistema das forças combinadas. Tudo é trabalho de combinação, aqui, e se eu não temesse cair na heresia, diria que o próprio Deus é uma combinação – a combinação primeira e última de todas as perfeições que se entrelaçam e se contemplam e se multiplicam e se elevam a um expoente e portanto a um valor infinito, Mas, permanecendo aqui embaixo: a música é combinação de áridas notas e sete vozes combinadas por Rossini [Rossini, Joaquim, - compositor italiano [*Pesaro 1792 - + Paris, 1868), autor de O Barbeiro de Sevilha (1816), Otelo, A Cinderela, Guilherme Tell, um Stabat mater e uma missa] – que é o mesmo que dizer sete fatores de  Rossini – dão um produto capaz de sacudir toda uma nação e de fazê-la prorromper num daqueles gritos de entusiasmo que não têm nome em nenhuma língua. Um pouco de mínio, de carmim, de sépia [tintas usadas pelos pintores: mínio é vermelho, carmim é vermelho vivíssimo, e sépia está entre o pardo e castanho], etc. bem combinados, isto é quatro por cinco fatores manejados por Sanzio [Sanzio – trata-se de Rafael (Raffaello) Santi ou Sanzio, dito. Pintor italiano (*Urbino, 1483 - + Roma, 1520]. Discípulo de Perugino trabalhou em Perúgia, Florença, Roma, e foi na corte dos papas Júlio II e Leão X, arquiteto chefe e superintendente dos edifícios. Sua arte revela, harmoniosamente, qualidades excepcionais: precisão do desenho, harmonia das linhas, colorido de delicadeza infinita] dão  uma Madona do paraíso. Alguns agentes químicos combinados como se devem, podem produzir o  fermento de toda a massa mundial, e poucas cifras entrelaçadas e depois novamente entrelaçadas daquele grande homem que era Newton revelam as leis da gravitação universal. Oh! Viva a combinação! Veja como Deus mesmo quis dar a sua sanção a esta verdade, ensinando-nos o modo de nos combinar (por quanto possível) com Ele, cimentando-nos com a sua própria carne. E se Gregório VII, filho de um pobre tanoeiro, chegou a abalar o mundo e a fundar uma nova civilização sobre as ruínas da barbárie é porque sentia a potência dessa combinação quotidiana com o seu Deus, e por isso se tornava, de homem que era, de têmpera quase divina. Ó Paulo, ó tu que antes de todos e melhor que todos soubeste exprimir as necessidades da pobre humanidade, tu o disseste que é necessária a combinação universal das forças, acrescentando depois aquelas palavras que eu quereria escritas com ouro: ut simus consummati in unum (frase de São Paulo que significa: para que todos sejamos confirmados na unidade). As “pobres cifras do nada” de que falava na Carta 8 e as forças combinadas na Carta 9 exprime uma visão positiva e unitária das numerosas possibilidades que o homem tem de ascender.

c)            O grãonzinho de mostarda – desígnio de Deus: lembremos a pregação que fez no Instituto Milliavacca em 14/02/1886 comendo a trecho de Mateus 13,31-39, é uma pagina maravilhosa que deve ser lida atentamente.

1.O que diz do grãozinho de mostarda? “O grão de mostarda é considerado como a melhor semente que é semeada na horta, todavia se desenvolve a ponto de se transformar em uma árvore; por isso retrata bem as pequenas virtudes, que podem produzir uma santidade. De fato os grandes santos alcançaram a sua santidade não tanto pela prática das virtudes extraordinárias, pois as ocasiões são raras, mas repetindo sem cessar as pequenas virtudes. Quanto pequenos atos de obediência, de humildade, de paciência, pode ser praticados por nós! Estas pequenas virtudes, não conhecidas pelos homens, mas muito gratas a Deus, fazem subir a uma alta perfeição e forma a árvore da santidade, cuja semente não é que um pequeno grãozinho... A decisão que devemos tomar é aquela de dar importância às pequenas virtudes, de cumprir momento por momento aquilo que Deus quer, no tempo, no modo, nas circunstancias que Ele determinou e estar com o coração tranqüilo e quieto. Com a certeza que como o Senhor guiou outros à santidade, guiará também nós (Escritos – diário Irmã Albertina Fasolis).
Jesus sempre comparou o Reino dos céus a algo de pequeno, aparentemente insignificante, mas, possuidor no interior de uma poderosa energia que lhe assegura o crescimento e o desenvolvimento que alcança metas acima das expectativas humanas.
Mas uma vez, vemos exaltadas as pequenas virtudes como meio privilegiado para caminhar na via da perfeição, juntamente com um convite claro a agir conforme a vontade de Deus. Aquilo que é pequeno, humilde e escondido, cultivado no silêncio é grato a Deus e multiplicado pela potência de Deus.

2) Projeto desígnio de Deus a ser executado: “É verdade que os santos, mesmo praticando as pequenas virtudes, desejavam coisas grandes; mas sempre em dependência da vontade de Deus.  Aquele que devendo executar um quadro, trocasse as cores indicadas, porque lhe parecem vivas demais ou pouco luminosas, e não aceitasse as indicações recebidas, não conseguia o efeito   pensado: mas se executa o quadro direitinho  com cores precisas que foram pré-fixadas pelo mestre então o quadro sai magnificamente e é louvado e contemplado por todos.Assim, se nós executamos com precisão o quadro espiritual que o Senhor traçou a nosso respeito não deixando de lado nenhum de nossos deveres também pequenos, praticando todas aquelas pequenas virtudes, naquela medida, naquela forma, naquela circunstancias que Deus quer, sem nada mudar, sem nada tirar ou acrescentar, então o nosso quadro sairá como o concebeu o divino artista e será contemplado e louvado não somente pelos homens, mas também por Deus e pelos seus anjos e santos. (Escritos – diário Ir. Albertina Fasolis).
Então a espiritualidade de nosso Fundador não se perde nas travessias da vida cotidiana, sem antes ter uma estrutura sólida sobre a qual construir; esta estrutura é e permanece o projeto que Deus tem sobre nós e que nós aos poucos descobrimos. Exercitar as pequenas virtudes não quer dizer perder de vista o desígnio espiritual de Deus sobre nós. Falando das pequenas virtudes o Marello tem bem presente o quadro espiritual, o projeto concebido pelo Artista Divino a nosso respeito, que deve ser realizado à perfeição, sem nada deixar, nem os pormenores. E prestar muita atenção à medida, ao modo, às circunstancias, aos particulares, às indicações. O quadro deve sair justamente como o concebeu o Divino Artista. Qual seria este quadro espiritual? Mas uma vez o repetimos: Para o Marello é a imagem de Cristo. Diz: “Peçamos a Deus a sua santa graça, especialmente nas pequenas coisas; nas coisas grandes e mais importantes já espontâneo pedir ajuda e, por outro lado, também nós naturalmente sentimos a repulsa em cometer pecados graves. Mas, é nas pequenas coisas que nós faltamos facilmente, porque não pedimos  suficientemente a ajuda de Deus; mas é justamente a perfeição nas pequenas coisas que pode tornar-nos santos... inspiremo-nos no exemplo de Maria  Santíssima Imaculada que praticou tão perfeitamente as pequenas virtudes, que a  levantaram depois a tão eminente santidade de grandeza. Contemplemos aquela inefável beleza da alma de Maria, a qual não é que um belíssimo quadro, que gosta de tantos pequenos pontos, todos perfeitos. A beleza de Maria de fato, se concretiza por tantas pequenas virtudes, mas todas tão perfeitas, que compendiadas na sua bela alma, a tornaram tão bonita e tão grande e tão predileta ao Senhor”   (Escritos - conselhos a Bice Graglia). O que fascina é também a versatilidade da sua mensagem, que vemos expressa de forma excelente também quando o nosso Fundador o adapta à figura de Maria. Tudo se concentra nas pequenas virtudes exercitadas de forma heróica, conscientes que Deus projeta e Cristo enaltece a nossa pequenez. A nós só resta que aderir a Ele, pedindo a sua graça.
Nas pregações, como nos conselhos dado aos seus filhos espirituais o Marello recomendava o conhecimento de Cristo, e ele mesmo o buscava no Evangelho. À Irmã Albertina Fasolis dizia: “Fazer de conta que exista só Jesus e a minha alma”.
Se relacionamos “ferialida-de”, “ordinariedade”,  “cotidianidade”, à consciência cristã do Marello, ao seu relacionar-se com Cristo, o conteúdo das palavras preditas aparenta ser muito mais rico de quanto possa querer dizer, de outro lado, a risca-se a cair na banalidade e superficionalidade.

2.2          O grande “sim”

 Todas as vicissitudes humanas e históricas de Jesus foram um “sim” ao Pai, à vontade do Pai. Um “sim” que é também uma resposta de amor ao Pai. Podemos aproximar esta imagem e sem forçar à espiritualidade Marelliana. Cristo para ele é a pessoa humana na qual se encarnou o Verbo de Deus, o Jesus de quem fala os Evangelhos,  e que quer fazer seu, desde Belém às tentações, ao batismo, ao anuncio, aos milagres, à oração, à aceitação da cruz e da paixão,  onde encontrou  o cume da adesão ao querer do Pai.
Marello procurou sempre à vontade do Pai e se esforçou para que toda a vida fosse vivida na vontade, no desígnio de santidade do Pai, dia após dia, momento por momento.
Em Turim disse o seu “sim” com generosidade a Deus; um grande “sim”, que determinou a orientação fundamental da sua vida. Como na anunciação, Maria disse um “sim” para sempre, renovado debaixo da cruz antes de entrar na glória, o Marello disse o “sim” até à morte, numa fidelidade a uma longa cadeia de pequenos “sim” quotidianos, nos quais se articulava concretamente o primeiro grande “sim”.
Nas impressões subidas na leitura de santa Margarida Maria  Alaccoque, escreve: “A nossa salvação pode acontecer a qualquer momento: não desprezemos o momento. Que valor tem o momento! Nele se comete o pecado e se reconquista a graça, nele se realiza o julgamento da nossa sorte eterna. Ó Deus dai-me este momento, que seja o primeiro elo da corrente que deve me conduzir a Vós. Ah, sim, Vós podeis dar-me neste mesmo instante em que escrevo. Loquere Domine: qual é o meu dever? (Escritos).
E no final dessas impressões, repete três vezes “Nunc coepi”. O momento é carregado de inspirações divinas, de uma vontade de Deus bem determinada, estritamente ligado ao dever e a ação quotidiana. Fecha assim as suas considerações do 23 de fevereiro de 1868: “Agora começo. Sim Senhor, o operário também pode tornar-se digno da recompensa na última hora. Agora começo: "ainda tenho  tempo" (Escritos). Falando de renovação e de propósito de perfeição escreve ao amigo Delaude: “Ó Senhor, ajudai-nos a dar este primeiro passo, que  nos introduza de  uma  vez na via da perfeição, até agora somente tocado de leve e  jamais resolutamente empreendida. Sim, ó meu caro Delaude, seja qual for o estado presente de  nossa consciência, temos necessidade urgentíssima de mudar de vida. Agora começo, diziam  os  nossos grandes mestres que  nos precederam  - repitamo-lo sincera e  firmemente diante de Deus ... o qual abençoa  o propósito de seus dois ministros - Pré-cruzados” (Carta 36). Escreve em setembro de 1875 ao um amigo sobre a necessidade de cumprir a vontade de Deus: “Nunc coepi”. Olho o passado como olhavam os santos, com  uma tristeza unida a uma alegria, que Deus tenha possibilidade muito grande de exercitar a sua misericórdia. Pensam no futuro com simplicidade e ao unido desejo de executar a vontade de Deus; de Deus que é tão diferente dos homens, de Deus cuja bondade nunca conheceremos a fundo, de Deus que diz’ in charitate perfecta dilexi te’ (te amei com amor eterno). Por isso, repitamos mais vezes possível este nunc coepi  com toda a fé e esforcemo-nos de crescer no amor” (Carta 88).
No quadro da perfeição, que consiste na “uniformidade à vontade de Deus”, todo momento é uma ocasião a ser desfrutada e deveremos dar contas a Deus; todo momento pode ser decisivo para o nosso destino eterno. Toda nossa vida “é uma corrente circular de graças, e cada elo é uma força de quem depende a nossa eterna salvação” (Carta 52). O Marello escreve estes pensamentos ao amigo Rossetti em 7 de outubro de 1869. Percebe que o seu espírito está fermentando algo que ainda não está totalmente claro. Será a inspiração de se tornar monge trapista? É um fato que o Marello vive mergulhado na vontade de Deus. É preciso força de caráter, são necessárias virtudes, e sabe que no caminho da perfeição não se pode ter instabilidade, mas cada momento é ocasião boa para desfrutar; de cada minuto, depende a salvação.
O grande “sim” de Turim determinou o forte e decisivo empurrão de purificação dos anos seguintes, e, à base de sua ascese, a guerra ao amor próprio, (“sentimos recrudescer em nós o nosso mal de origem...” (Carta 8); determinou a sua oração e a sua fé sempre confrontando com o eu do passado que o tinha colocado contra Deus. A fé foi a arma segura de sua batalha, olhar sempre fixo para com Cristo a quem atingiu atitudes e valores, a ancoragem à rocha “a vitória que vence o mundo” (1Jo 5,4-5). Viveu só para Jesus (Gal 2,20), revestiu-se dos mesmos sentimentos que se revestiu Jesus Cristo (Fl 2,5) na sua santíssima humanidade.


3. O CORAÇÃO DE MARELLO IMITADOR DE CRISTO

            Como afirmamos várias vezes, para o Marello Jesus foi o protótipo em tudo, porque na personalidade humana de Jesus viu o seu exemplo, o seu programa, o caminho espiritual e ascético, no qual se empenhou num crescimento constante. Por isso fixou a humanidade santa de Jesus, que quis reproduzir em sua vida. Leu o Evangelho página por página de Belém ao Calvário, fixando os traços ilimitáveis de Jesus, para uma humanidade cheia e uma clara santidade.
            Antes de tudo fixou “O CORAÇÃO” de Jesus. Quando uma pessoa é rica de humanidade, nós dizemos que “um homem de coração”. Assim o Marello via Jesus: amigo verdadeiro de todos. Amigo tenro, doce, forte; no seu coração tinha lugar para todos. Um coração apaixonado, misericordioso, generoso e munífico. Podemos dizer que o Marello olhava a sua conduta, comparando com aquela de Jesus, e da comparação nascia às decisões. Também o Marello, de fato, foi o homem da bondade, da caridade, do perdão. Sabia amar, compreender, perdoar, ser doce, calmo, paciente,  nada cedendo ao sentimentalismo. “Seja Jesus o suave vínculo dos  corações, diante de Jesus desaparece todas as considerações humanas  e nós, então, encontramo-nos mais estritamente unidos àquelas pessoas às quais estamos ligados pelo afeto e pelo reconhecimento por causa dos encorajamentos e dos bons conselhos recebidos, e a todos aqueles que são como nós animados pelos desejos de servir fielmente ao Senhor e de um dia ir amá-lo e gozá-los no céus, na glória eterna dos santos”  (Escritos). Dava este conselho a Bice Graglia  em 18 de janeiro 1889. Durante os exercícios espirituais pregados em 1881 às Irmãs do Instituto Milliavacca, dizia, falando da caridade: “Jesus teve o grande cuidado de excluir da sua caridade toda aparência de sensibilidade ou de simpatia ou de acepção de pessoas, fazendo-se tudo para todos, mas tendo em mira unicamente o prazer e a glorificação do seu Eterno Pai” (Escritos – diário de Albertina Fasolis). Pouco antes dizia que o atrativo sensível atrapalha e corrompe a caridade a simpatia não deve ser favorecida. A caridade é perfeita quando inspirada por motivos sobrenaturais. Tinha “coração”! Era um “homem de coração”.  Amava, também com afeto e ternura, generosamente e pacientemente. Escrevendo as impressões que teve na leitura da vida de Santa Margarida Maria Alaccoque, afirma: “Brilha naquela vida o ideal do sacrifício e da abnegação, da esperança e do amor. O tem o coração para amar e um corpo para sofrer”(Escritos). Entre os Fragmentos de 1867 a 1869 encontra os estes: “Ama – o coração de quem sente o amor é um paraíso sobre a terra, tem Deus dentro de si, porque Deus é amor. Ama, mas com um amor ordenando e santo”. (Escritos).
            Amava profundamente e com ternura os amigos e este amor o declarou abertamente, como abriu a eles o coração numa amizade firme, vivaz, fiel, tenra; testemunha disso são todas as suas cartas. Era uma personalidade empática, ou seja, capaz de compaixão, de dom, de sacrifício, de acolhida, de hospitalidade. Qualquer pessoa perto dele ficava a vontade.

3.1. Uma mina de ensinamentos que brota do coração.

  É só lendo e meditando os “Ensinamentos”, que podemos ter uma idéia do “coração” do Marello. Vamos trazer aqui alguns textos significativos: não são um tratado, nem uma catequese, mas evidencia característica particulares da espiritualidade do Marello “homem de coração”. “Quando sentimos o coração duro e enraivecido, vamos procurar um pouco de doçura no Coração de Jesus” (Escritos).
“Em certas adversidades e penas, nas quais nos parece que o nosso coração goteje sangue vivo, de tão violento esforço que devemos manter, pensemos também, na imensa desproporção que existe entre a agonia do nosso coração e a que Jesus sofreu no horto, quando suou sangue vivo por todo o corpo... amiúde, levemo-nos espiritualmente para assistir a agonia mortal do coração de Jesus e experimentemos confortá-lo com o nosso ardente amor. Unamos ao copiosíssimo, precioso e real derramamento de sangue de nosso Jesus, o pobre e mesquinho derramamento místico do sangue que jorra do nosso coração nos momentos de sofrimentos, e este, de pobre, mísero e mesquinho, torna-se rico abundante e precioso aos olhos de Deus ”(Escritos – conselhos a Bice Graglia).
Vós, São José que foste tão humilde e tiveste a alegria de viver em companhia de Jesus, observando tudo aquilo que ele fazia, falai-me ao coração e fazei-me aprender tudo da vida de Jesus, tão santa e tão por vós imitada” (Escritos – diário de Albertina Fasolis).
Os fariseus, tendo um coração duro e orgulhoso,  morriam de inveja porque viam Jesus entreter-se tão amavelmente com os pecadores. Não devemos fazer como eles, mas ter um coração cheio de benignidade para com nossos irmãos.Ora, para ser benignos devemos ser mansos e humildes de coração, sendo a humildade a irmã da mansidão. Coragem, então, amemos o próximo compadeçamo-nos dele, prometamos humildade de mansidão, mas aprendemo-la de Jesus, aliás,  atingimo-la dentro do  seu coração” (Escritos – diário de Albertina Fasolis).
A peculiaridade destes textos citados está no fato de contém a palavra “coração” repetida mais vezes. Tal insistência não pode ser certamente fruto de estéreis  sentimentalismos, mas exprime uma visão de fé unida também à dimensão afetiva. Disso brota o impulso a uma imitação dos aspectos humanamente mais “doces”  da atitude de Jesus. Certamente o Marello seguiu esta trilha e a indicou também a seus filhos espirituais. É por isso que aconselha atingir doçura do coração de Jesus, quando a ira toma conta,  ou seja, tomar exemplo da sua serenidade e doçura para com todos; assimilar nossos sofrimentos á Paixão de Cristo, nos ajuda a redimensionar os nossos sofrimentos,  e a “confortar Jesus com nosso ardente amor”, nos faz sair do nosso individualismo. Muito interessante é também o convite a acolher os outros com humildade e mansidão, atingindo sempre à única fonte: coração Jesus. 
“Infelizmente, nós temos um olhar atento para perscrutar e condenar o próximo, mas estamos sempre prontos a justificar nós mesmos. Isto  porém,  é contrário à caridade,  à justiça, porque assim fazendo nos usurpamos um direito que é somente de Deus, aquele de julgar os outros, enquanto descuidamos aquele que é não só um nosso direito, mas também um gravíssimo nosso dever, isto é julgar a nós mesmos” (Escritos – diário Albertina Fasolis).
Nas divergências de critério, em  julgar um jeito de fazer as coisas, que a nós parece ser feitas de forma errada, enquanto,  outros acham que foram bem feitas, precisa ceder e não querer fazer triunfar a razão em detrimento da caridade e da humildade” (Escritos – conselhos a Bice Graglia).
São José Marello não descuida de nenhum aspecto da imitação de Cristo.  A imitação do “coração” não é expressa por conceitos abstratos, mas enraizada no imediato, no quotidiano, e simplificada, com exemplos de situações práticas que ele mesmo fornece. É aquilo que podemos perceber nos textos citados acima.
O amor se nutre de sacrifício de dores e de penas; o amor é mais forte do que a morte. Ninguém praticou a caridade mais que Maria Santíssima, porque ninguém mais do que ela sofreu” (Escritos - diário de Albertina Fasolis).
No seu realismo, e na sua concretude o nosso Fundador não escondia também os aspectos mais duros de amar: o sofrimento, que aqui vemos associado à figura de Maria.
Todos estes pensamentos e conselhos nascem de um relacionamento vivo com pessoa viva, do coração de um homem que não deixava perder nem uma virgula das Palavras que Deus, como semente semeava no seu coração. “O bom Deus - dizia no domingo 08 de fevereiro de 1885, comentando a Parábola do Semeador (Lucas 8,4-15) – quase deixando a sua real bem-aventurança, continuamente espalha em nosso coração a boa semente da sua Palavra. Não devemos deixar perder nenhuma parte, mas deixar que tudo cresça em nós”. (Escritos - diário de Albertina Fasolis).
É fácil constatar que vivia efetivamente aquilo que dizia: “Pensamos sempre em Jesus a todos os relacionamentos que temos com Ele, a todos os acontecimentos e mistérios da sua vida, do nascimento até à ascensão, e procuremos celebrar bem  e santamente todas as suas festas... olhemos a Jesus como irmão, como amigo, como Mestre, como juiz” (Escritos - diário de Albertina Fasolis).
            Numa pregação em 24 de agosto de 1884 dizia: “ São Paulo amava com tanta doçura e com tanta firmeza, que dizia querer ser anátema para que todos fossem a Cristo e estava pronto a padecer todo o sofrimento pelo bem do próximo. Vocês me dirão: como fazer para amar Jesus Cristo? Eu vos responderei como Santo Agostinho: Experimente amar... experimente amar...” (Escritos - diário de Albertina Fasolis). Ou seja, experimente ter um coração como aquele de Jesus. Amando o próximo, damos prova de amar a Deus: amando como o amava Jesus. E se alguém ama verdadeiramente o próximo, quer dizer que arde de um grande amar de Deus, porque não poderia ser de outro modo, porque somente Jesus no-lo pode conceder, tendo vindo sobre a terra para trazer  o fogo e quer que se ascenda para poder reinar nos corações. A caridade, do Senhor amor para com o outro porque Filho de Deus dava ao amor do Marello outras possibilidades. Era um terreno fértil que acolhia o Amor de Deus e Deus mesmo acrescentava todas as potencialidades, que o Marello já tinha como dom natural de temperamento: acolhida, paciência, compreensão, perdão, fidelidade, devoção, solidariedade para o necessitado. Esforçava-se de viver bem o que encontramos na I. Carta aos Corintios 13,4-07. O Espírito Santo trabalhava bem no seu coração, purificando e harmonizando todas as suas dinâmicas afetivas.
            Amava verdadeiramente, amava a todos, e cuidava continuamente que o seu amor em cada aspecto, nunca perdesse a origem e a orientação. Sabia que vinha do coração de Deus e levava Deus, verificava o seu amor em Cristo. Na festa do Sagrado Coração, em 10 de julho de 1888 afirmava na pregação no Instituto Milliavacca: “O nosso coração tem como que duas tendências, uma que o leva para o alto a outra para baixo, as mesmas tendências que reconhecia em si mesma o apóstolo Paulo. Pois bem, ofereçamos a Jesus o nosso coração todo inteiro e Ele, colocando-o no seu coração, consumará tudo aquilo que nele existe de mal, purificando e aperfeiçoando quanto tem de bom” (Escritos - diário de Albertina Fasolis). Fraco, frágil, sabia que tudo era dom de Deus, também a caridade, e isto o conduzia a louvar, a glorificar, agradecer Deus. Pensamento de gratidão e reconhecimento recorre muitas vezes nos seus ensinamentos. O “Deo Gratias” está sempre nos seus lábios. “ Assim São Vicente de Paulo, que muito em variados modos exercitou a caridade para com o próximo, nutria no seu coração uma chama ardentíssima de amor  a Deus que o empurrava a responder, beneficiando o próximo, da mesma maneira que o Senhor tinha feito para com ele”  (Escritos - diário de Albertina Fasolis).
            Como se ama Deus de verdade? No-lo ensina Dom Marello no domingo 24 de agosto de 1884 comentando a parábola do bom samaritano (Lc 10,23-37): “Amemos Deus com todo coração, sem subtrair a Ele nem uma partezinha ou um átomo do nosso coração. São Francisco de Sales, dizia que: se soubesse que uma só fibra de seu coração não pertencesse a Deus, a teria arrancado de si. Amemos Deus com toda a alma, isto é, submetendo em tudo e por tudo a nossa vontade à vontade do Senhor. Amemos Deus com todas as nossas  forças, empregando ao seu serviço as nossas capacidades internas e externas e todas as energias, os talentos que ele nos deu: pregando e trabalhando, fazendo tudo por Ele, solícito sempre não das nossa comodidades e prazeres, mas do serviço da glória do agrado de Deus, fazendo enfim um sacrifício absoluto, um holocausto completo, uma constante imolação de nós mesmos ao Senhor” (Escritos - diário de Albertina Fasolis).
            O Senhor gosta que nós tenhamos o coração como o seu e veio para ensinar-nos a conquistá-lo.

Artigo Publicado em Marellianum nº47 –  Ano XII Julho – setembro 2003
Tradução Pe. Mario Guinonzi, osj
                                  

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