A VOCAÇÃO E A ESCOLHA SACERDOTAL

Ano Marelliano
Artigo da Semana

A VOCAÇÃO E A ESCOLHA SACERDOTAL
DE SÃO JOSÉ MARELLO

Pe. Ferruccio Corazzola, osj


1.            NO PRINCÍPIO ERA UM PÁROCO

José Marello, órfão de mãe, aos oito anos de idade, em 1852, passou a morar em San Martino, país de origem de seu pai. Aqui,  se encontrou com Pe. João  Torchio, há quatro anos jovem pároco e foi para ele um grandíssimo dom do Senhor.
A vocação Sacerdotal certamente é graças do Senhor, mas para ser acolhida  e concretamente realizada necessita de uma resposta livre e responsável, fruto de um caminho de formação que tem necessita de um acompanhamento espiritual acolhedor e estimulante, evangelicamente compreensível e forte. Sem o acompanhamento do seu pároco Pe. João Batista Torchio, uma iminente figura de padre de Asti, a vocação e a formação ao sacerdócio de José Marello, historicamente falando não seria compreensível e explicável, sobretudo se tem em contra a Igreja de Asti e do seu seminário naquela época. A pessoa do pároco não foi certamente a única pessoa que influencio o caminho vocacional do jovem Marello, mas sem dúvida a primeira e amais determinante. Aliás e aprofundar quer o itinerário e o contexto formativo, quer a personalidade de João Batista Torchio torna-se a porta privilegiada para introduzir na compreensão das linhas fundamentais da formação ao sacerdócio do Marello.
Falamos de formação ao sacerdócio, pois nos anos do sacerdócio, e portanto de sua formação ao ministério e através do ministério, a figura determinante será o Bispo Carlo Sávio, mesmo que a amizade e a intimidade com o próprio pároco nunca desapareceram e foram sempre ter grande ajuda  e o velho pároco será ainda a única pessoa do clero de Asti a acompanhar Dom Marello a Roma para a ordenação episcopal.

A presença vigilante e paternal do pároco.

No princípio tinha um pároco, falamos  aquele pároco formado ao profundo rigor moral e com o coração de pai nunca abandonou, porquanto era humanamente possível sua tarefa de diretor espiritual, durante as férias quem sabe mais longa do que as outras, daquele difícil e problemático 1859, percebeu em José  uma queda, uma preguiça espiritual, e “tempestivamente”  avisou a quem deveria ser avisado, e neste caso na falta do bispo e do reitor, ao vigário geral Pedro Gardini.
O Marello freqüentou o primeiro ano de retórica do famoso registro das Confissões: “se pensamos que de fevereiro a junho de 1859 não aparecia o seu nome, enquanto reaparece em novembro para depois permanecer em todo ano escolar” para deduzir-se uma retomada espiritual.

José Marello deixa o seminário

Apesar disso no final do ano 1861 e 1862 (segundo ano de filosofia) o Marello deixou o seminário, quais as causas de sua crise? Pe. Dalmaso, assim resume: “Diminuição da piedade, sobretudo no primeiro ano de Filosofia; exaltação retórica em contato com os clássicos, com os românticos, com os novos pregadores políticos e humanitários; inteligência aberta a novos interesses; tendência pessoal a emergir entre os colegas; presença amorosa, mas dominadora do pai; e por fim descontentamento e desconfiança por algumas coisas do clero. Bastante motivos para por a prova qualquer coração jovem, não suficientemente protegido por um bom ambiente formativo e para diminuir as resistências que ainda permanecia viva nele”.
Deixou o seminário para ingressar nos estudos comerciais em Turim. O período de Turim, 1862-1863, foi certamente para o  jovem Marello um tempo de crise profunda, como ele mesmo a sentiu e a descreverá ao amigo Delaude, em 1866 com esta frase exclamativa: “Bem-aventurado os que quase naufragaram nas ondas e chegaram à praia”.  Uma crise essencialmente interior mesmo se dilacerante, porque sua conduta exterior,  apesar de tudo, foi sempre irrepreensível. Uma crise na escolha dos projetos de vida perante ideais fortes, mas contraditórios, certamente não claros no  momento histórico de fácil idealismo. Uma crise durante a qual todavia, não diminuiu nem a oração nem a retidão  do seu coração.  E a Providência pode se servir de uma grave doença para levar ao re-pensamento e à luz: José com todos os seus “sonhos de um futuro na sociedade” ficou acamado com o tifo. No delírio da febre tifóide apareceu a seus olhos uma batina: era a resposta do céu.

A alegria partilhada de um retorno

“Estava perdido e foi encontrado” com estas palavras de sabor evangélico, o pároco de San Martino anunciava alegre a imposição do hábito clerical de José Marello, dois dias depois, aquele 9 de janeiro 1864 escrevendo ao teólogo Paulo Elia.

As férias  de 1864 em San Martino Tanaro

Um ano bem curto o primeiro de teologia para José Marello, pouco mais de quatro meses. Recuperou o primeiro o semestre com exame mais que satisfatório e depois passou nos exames no final de ano com resultado ótimo de 20/20. Também os apontamentos  espirituais de revisão de vida no sacramento da penitência tornara-se regulares, duas vezes por mês confessor ainda era o Cônego Francisco Martini. Meses de retomada espiritual escolar e de uma nova adaptação. Muito significativas na vida do Marello agora orientado definitivamente e com decisão para o sacerdócio, resulta também, sobretudo as férias de verão de 1864. É um pouco como a festa do retorno que se expande na realidade da vida de sua cidadezinha, onde tem as suas raízes mais profundas; onde na festa da Padroeira Nossa Senhora do Rosário e toda a comunidade que se encontra e de uma certa forma se celebra a si mesma revivendo as próprias tradições, as próprias razões de vida e de esperança,  e cada um sente-se protagonista.
José Marello é participante e protagonista da festa em primeira pessoa, com todas a sua exuberância e humanidade com aquela capacidade viva de observar, de descrever, enriquecida por um humorismo delicado, que nem a prosa do século 1800 de sabor mais erudito e grandioso consegue esconder. Uma carta ao “Caríssimo de Montafia”, o clérigo  Estevão Rossetti, escrita logo em seguida da festa, com um calor muito vivo narra e faz entrever tudo isto.

2.            O  SACERDÓCIO, META AGORA AO ALCANCE DAS MÃOS.

Anos de profunda reflexão e recuperação espiritual (1864-1866).

O período 1864 e 1866, para José Marello é de profunda reflexão. Ele mesmo o define como período de recolhimento em vista de uma total superação de sua indecisão. José Marello estuda para valer e os resultantes escolares são ótimos, mas é sobretudo na recuperação espiritual que ele nestes anos progride de forma evidente e clara. O testemunho do irmão Vitório, coloca em foco a situação: “O vi sempre mais contente, e mais devoto na medida que se aproximava do sacerdócio”.
É nas cartas escritas pelo Marello no verão de 1866 que todavia, o tom e o timbre de tal recuperação espiritual são evidenciados na plenitude contagiando o leitor. Conservamos oito destas cartas e todas de notícias e pensamentos, mas nelas e sobretudo, a personalidade do Marello que emerge  e se surge de forma límpida e forte exuberante e ao mesmo tempo reflexiva,  humaníssima, sempre e toda voltada com entusiasmo juvenil ao sacerdócio agora já ao alcance da mão.

Experiência libertadora de amizade.

As cartas revelam sobretudo, um aspecto fundamental da vida do jovem Marello: a experiência de uma amizade intensa e fraternal. É na experiência da amizade, de fato com alguns colegas de classe que a sua personalidade encontra o caminho para abrir-se, comunicar, expandir, em todas as riquezas de suas inspirações e possibilidades humanas e espirituais. É um aspecto importantíssimo na sua aproximação ao sacerdócio,  pois para o Presbítero Diocesano, uma forte experiência de amizade fraterna com os confrades é necessária para construir uma personalidade que, fundada sobre profundas e sólidas convicções interiores, amadurecem através de relações humanas sempre mais caracterizadas para total  gratuidade. Para o Marello a amizade com os confrades é a alegria partilhada de uma vida que encontrou finalmente no sacerdócio plenitude de sentido e fim pelo qual se expandisse com total gratuidade de dom.
Mas, nesta experiência juvenil do Marello de uma vida, que ao mesmo se expande e se re-encontra, emerge outro componente secundário, mas sempre caracterizante e significativa: os espaços, os horizonte, ambiente humano de sua cidade que lhe permite seja proximidade de relacionamentos humanos, seja com tanto vivo, e imediato com a natureza. Aquela paisagem com profundidade que abre sobre o infinito e beleza sempre novas e contínua mudança, lhe permite experiências contemplativas e de liberdade. Todavia, é a humanidade viva do ambiente que o atrai e o envolve, é proximidade das pessoas que lhe permite os encontros mais enriquecedores: o pároco, os parentes, os vizinhos, o pessoal que encontra e sente  tão familiar.
É a humanidade vista ao vivo e tão de perto que torna-se fonte inexaurível de inspirações e descrições, de reflexões e mediação  que sente a necessidade de reviver e comunicar e partilhar. A carta é ainda um  instrumento mais apropriado seja para reviver, seja para partilhar.

As muitas cartas, a dureza da síntese e da unidade

José Marello, este grande observador que perscruta e busca encontrar em profundidade e além disso a realidade que o circunda e  que,  com  uma pitadinha de retórica, poderíamos também definir o grande livro de sua vida, só pode ser também um grande leitor de livros impressos.
Toma apontamentos, faz resumos, talvez sonha e projeta escrever ele mesmo um livro e todo um dinamismo de exuberantes energias, sobretudo interiores que surpreende neste evidente esforço de dilatar os próprios interesses, mas também de fazer síntese de buscar e construir unidade, principalmente interior. Escreve Pe. Severino Dalmaso: “a mudança que se operou no Marello nestes três anos foi, portanto, a passagem daquele tipo de “Apostolado Humanitário” pregado pelos livres pensadores, “ao Apostolado Católico”, e portanto verdadeiramente humanitário. Neste árduo  trabalho o ajudaram as leituras dos grandes pensadores cristãos, seus contemporâneos, enquanto tinha chegado a rejeitar e condenar outros. Escritores como: Pascal, Chateaubriand Manzoni, Balbo, tornava-se para ele guias certas nesta busca da verdade,  conduzida, note-se de passagem como perfeito autodidata.

Dos livros ao Livro : A Bíblia.

O jovem Marello, a vigília de suas ordenações, busca resposta aos grandes problemas da vida e do momento histórico.  Adentrando-se neste itinerário, nas mãos a Bíblia, um livro não ainda muito usado, ao menos diretamente, no seminário da época.
Entre os propósitos do Marello para o ano escolar de 1866 e 1867 encontramos: “leitura das cartas de São Paulo, ou dos Provérbios e livros Sapienciais”, e no programa espiritual de 1868 lemos: “Antes de adormecer, quatro versículos do Testamentinho para ruminar”. Testamentinho era chamado Novo Testamento, em latim, impresso em Paris em 1844, de bolso. “Ruminar”: interessantíssimo este verbo usado pelos Padres e que de qualquer maneira leva a experiência da Lectio Divina.
O Marello não somente rumina a Palavra de Deus, lida diretamente no texto Sagrado, mas ama também contemplá-la, vivida e atuada nos santos; lê portanto as vidas dos santos e a aconselha tal leitura aos amigos. “Exaltemo-nos nos grandes modelos e comecemos a agir!”, escreve a Delaude na Carta 10, depois de ter-lhe lembrado na Carta 9 a frade de Agostinho: ” Se estes e aqueles porque eu não?” Também nestas leituras o Marello permanece fiel a praxi que aconselha também ao amigo Rossetti na Carta 5: “Escrever no papel os pensamentos que  passam na cabeça”.

Assistente dos Filósofos

Enquanto se desenvolve este itinerário de amadurecimento cultura e espiritual, a personalidade de jovem Marello encontra uma nova ocasião favorável, seja para medir a solidez de suas próprias convicções interiores e riquezas espirituais, seja para expandir-se em novas relações na linha da comunicação e da doação com naturalidade e gratuidade. Em novembro de 1866, no início dos quarto ano de Teologia, foi chamado a desenvolver a tarefa de assistente dos clérigos. É para ele a primeira experiência de responsabilidade direta, para com outros jovens, responsabilidade - diríamos hoje – de acompanhamento vocacional e de animação de um grupo.

Verão 1868 – Juntos para preparar-se para a ordenação sacerdotal

No contexto de uma experiência de amizade,  toda voltada ao sacerdócio a ser recebido para doar-se ao ministério, nasce a decisão de viver juntos a preparação próxima a ordenação sacerdotal, vivê-la junto no seminário. 29 de junho de 1868 o Papa Pio IX publica a bula de proclamação do Concílio Ecumênico, passado à história com o Vaticano I. Isto não faz que intensificar um desejo presente na alma e no discurso com os quatro companheiros de classe,  unidos a ele com particulares vínculo de fraterno amizade: Stefano Delaude, Celso Egidio Motta, Giuseppe Riccio, e Stefano Rossetti. O desejo se faz um projeto: Preparar-se juntos para o grande evento da ordenação sacerdotal. “Para logo em seguida fazer uma peregrinação a Roma” a expressão é de Delaude. Decide, portanto permanecer no seminário nos meses de férias. Passou então o verão no recolhimento, participou com outros dez colegas aos dez dias de exercícios em vista da ordenação sacerdotal fixada na Catedral para o 19 de setembro, sábado das Têmporas de outono.


A festa da primeira missa em San Martino, a alegria de ser sacerdote.

19 de setembro, José Marello finalmente é ordenando sacerdote. Temos seguido de perto, pela sua abertura de coração, contida nas cartas, o itinerário espiritual da preparação; podemos agora imaginar a intensidade e a riqueza dos sentimentos vivida na imposição das mãos do Bispo, da consagração da sua mão com o santo crisma, da vestição dos paramentos... intensidade de riqueza de sentimentos,  porque Marello não é e nunca foi um superficial. Não tem o sentimento dominante, mas todos se entrelaçam e se juntam: trepidação e alegria, consciência das grandes responsabilidades e vontade de responder a elas com entusiasmo.
É San Martino Alfieri durante a primeira missa na bela igreja paroquial, envolvido pelo calor humano do pessoal de sua cidade, que a alma de Pe. José se derrama no sentimento dominante e libertador, a alegria: a alegria comunicada e partilhada que se torna autentica experiência de festa. Perto dele, amigo e guia que dá segurança e propicia espontaneidade nos gestos tem Pe. João Batista Torchio, o orientador e  o testemunho de  sua vocação. Hoje celebrado a primeira missa em sua cidade, sente que o primeiro obrigado depois que a Deus, o deve exatamente a ele, o seu pároco.  A festa participa o papai Vicente, com os parentes vindos também de longe; sobretudo tem o povo, que através de uma presença maciça, que  dá à festa aquela  comunhão afetiva que a torna festa de toda cidade. Nesta experiência de festa, autenticamente popular e profundamente religiosa, Pe. José encontra todo a si mesmo, manifesta toda a sua personalidade rica de profunda interioridade de intensa humanidade. É o povo mesmo que percebe isto e o exprime. Testemunha o irmão Vitório. “O povo admirou a seriedade e a sua bela graça em cumprir as Sagradas Cerimônias”.
Seriedade e bela graça: para quem conhece e aprecia o significado e as nuanças  da linguagem  antiga e medida das nossas aldeias de Asti, compreende toda a força expressiva e rica daquelas palavras: “Seriedade”   (domínio de si),  “graça” expressão intraduzível seu significado popular sintético, mas que reconhece antes de tudo o verdadeiro senhorio de uma pessoa, senhorio antes de tudo interior que anima toda a atitude e manifesta-se em todo comportamento relacional da pessoa, independentemente da qualidade do interlocutor: criança ou adulto, rico ou pobre, doente ou sadio, intelectual ou analfabeto.  Aqui referido ao celebrante de Ritos Sagrados, exprime também antes de tudo uma avaliação do “estilo – qualidade” do relacionamento com Deus, estilo – qualidade (“bela graça”) que diz compreensão plena do mistério que celebra, mas também alegre serenidade do próprio relacionamento de algo com Deus.


Artigo publicado em Marellianum nº 48 – Outubro/ Dezembro 2003
Tradução Pe. Mario Guinzoni, osj

Nenhum comentário:

Postar um comentário